A Casa das Dez Furunfunfelhas
Lenice
Gomes
Está vendo aquela casa
cheia de fitas?
É a casa das dez
Furunfunfelhas.
Nela tem uma placa:
“Esta casa está ladrilhada.
Quem a desladrilhará?
O desladrilhador.
Quem a desladrilhar bom desladrilhador
será.”
As irmãs
Furunfunfelhas, sempre muito animadas, gostam de se reunir numa grande roda na
calçada e, assim, vão soltando seus nós da língua.
A primeira
Furunfunfelha, muito senhora de si, fala:
- Fui ao
cinema-nema-nema-nema, ver um filme
chato-chato-chato-chato. Era de cachorro-osso-osso-osso, tinha carrapato-pato-pato-pato.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão nove Furunfunfelhas.
A segunda
Furunfunfelha, com o nariz arrebitado, tropeça aqui, tropeça lá, brinca:
- A aranha arranha a
rã, a rã arranha a aranha, a rã não arranha a aranha nem a aranha arranha a rã.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão oito Furunfunfelhas.
A terceira
Furunfunfelha, se sacudindo de contente, melodia:
- Maria-mole é
molenga. Se não é molenga, não é maria-mole. É coisa malemolente, nem mala, nem
mola, nem Maria, nem mole.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão sete Furunfunfelhas.
A quarta
Furunfunfelha, para lá de Chiquita Bacana, cantarola:
- Esta burra trota,
trota, trota. A burra trota, trinca, a murta brota, brota a murta ao pé da
porta.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão seis Furunfunfelhas.
A quinta
Furunfunfelha, com ares de que tudo sabe, tagarela:
- Se cada um vai à
casa de cada um, é porque cada um quer que cada um lá vá. Se cada um não fosse
à casa de cada um, é porque cada um não queria que cada um fosse lá.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão cinco Furunfunfelhas.
A sexta Furunfunfelha,
com sua saia rendada, poetiza:
- Alice disse que eu
disse que o que ela disse era um poço de tolice. Mas eu disse que ela disse que
eu disse o que ela disse. E quem fez o disse não disse foi a Dona Berenice.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão quatro Furunfunfelhas.
A sétima
Furunfunfelha, magricela que só ela, anuncia:
- O princípio
principal do príncipe principia principalmente no princípio principesco da
princesa.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão três Furunfunfelhas.
A oitava
Furunfunfelha, dando nozinhos no cabelo, fofoca:
- Maria é de
Jaguamimbaba, mas seu marido é de Jaguamambi. Ela é boa cozinheira e sempre diz
que farofa feita com farinha fofa faz uma fofoca feia.
Deu um tangolomango
nela, não ficaram senão duas Furunfunfelhas.
A nona Furunfunfelha,
com os olhos brilhantes, revela:
- Três bruxas olham
para três relógios Swatch. Qual bruxa olha para qual relógio Swatch?
Essa Furunfunfelha era
metida a gringa:
- Three witches watch three Swatch watches. Which witch watches which
Swatch watch?
Deu um tangolomango
nela, não ficou senão uma Furunfunfelha.
A décima
Furunfunfelha, metida a elegante no seu salto fino, rima:
- No alto daquela
serra está uma pega a papar a fava. A pega papa a fava para a fava não papar a
pega.
Deu um tangolomango
nela, não ficou nenhuma Furunfunfelha.
A rua ficou muda.
(...)
De repente, um menino
em cima do telhado, de onde tudo observava, grita:
- Lá vem o velho Félix
com o fole velho nas costas. Tanto fagulha o velho Félix. Como o fole do velho
Félix fagulha.
O velho Félix se desmancha em sorrisos! Ele vem
acordar as dez Furunfunfelhas com seu fole. Todo mundo sabe que elas morrem de
amores pelo Félix. E do fole fagulham adivinhas. A cada adivinha descoberta uma
Furunfunfelha despertará.
- O que é, o que é...
“Eu a vi viva, eu a vi morta, eu a vi correr depois de morta.” (A folha)
“Aqui estão muitas
irmãs. Levam anos no mar e ainda não sabem nadar.” (A areia)
“Irmão e Irma são e
jamais juntos estão. Quando ele vem, ela vai, e, se ela chega, ele sai.” (O dia e a noite)
E, com isso, acordam
cinco Furunfunfelhas meio sonolentas. Entusiasmadas com o velho Félix, começam
a dizer:
- “São três irmãs numa
casa: uma foge sem querer, uma quer ir e não pode, outra fica até morrer”. (A fumaça, a labareda e a brasa)
“Seu botão ninguém
aperta, seu perfume ninguém vende, sua cor não é pintura, sua beleza
surpreende.” (A flor)
“Duas bolas coloridas
carregam um brilho profundo. São como duas janelas mostrando a vida e o mundo.”
(Os olhos)
“Brilha, mas não é
jóia, bóia redonda e nua, cresce e desaparece, durante a noite flutua.” (A lua)
As outras cinco
Furunfunfelhas vão acordando. E Félix, envolvido no jogo, recomeça a tocar o
fole:
- “Umas vão e outras vêm.
Debaixo do céu se mantém.” (As nuvens)
“Amarelo é meu centro,
branca sou ao redor, me consultam os namorados, quando apareço na primavera.” (A margarida)
“Quando eu te vejo, me
vês, quando me vês, eu te vejo e não aparento ser feio.” (O espelho)
“Somos sete e todas nós
boa harmonia formamos. Os nossos nomes dependem do lugar que ocupamos.” (As notas musicais)
E, deixando o fole de
lado, o velho Félix foi experimentar estes desenrolares tão conhecidos das dez
irmãs:
- Era uma vez um
cantador furunfunfor, triunfunfor, miserincuntor que foi à cantoria
furunfunfaça, triunfufnfaça, miseruncunfaça e se enamorou por uma furunfunfelha,
triunfunfelha, misteriofunfelha.
E elas olham uma para
a outra e pensam: “será comigo ou com ela?”.
E as Furunfunfelhas
vão cercando o velho Félix...
A quem o velho Félix
vai dar o coração?
Deu um tangolomango nele,
e perguntaram as dez irmãs:
- “O que é uma coisa
que se quebra ao falar?” (O segredo ou o
silêncio)
O velho Félix acorda e
toma de novo seu fole. O menino no telhado aplaude aquela animação. E as
Furunfunfelhas desatam as línguas:
- “Não sei se é fita,
não sei se é fato, o fato é que o velho Félix nos fita mesmo de fato.”
# OBS - A história é ótima para fazer teatro.
Panfleto de divulgação para sessão de teatro:
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